Olá!
No post anterior, conhecemos melhor a história de Ra’s Al Ghul, de como perdera a sanidade nos eventos catastróficos da morte de sua esposa e se tornara um tirano sanguinário com a temível habilidade de ressuscitar. Batman não ignora a dimensão dos poderes de seu arquiinimigo, e sabe que tem uma longa luta a travar com ele para evitar que seus planos mais megalomaníacos se concretizem.
Continuando com a saga “Trilogia do Demônio”, essa HQ foi relançada em outubro do ano passado pela Panini. Ela representa um grande marco para a história do Batman, por trazer eventos que foram desconsiderados da cronologia oficial, mas depois retomados pelo sempre polêmico Grant Morrison. É uma obra clássica, e muito importante para entendermos a história do Morcego. Não deixe de ler “O Filho do Demônio!” (Batman: Son of the Demon, roteito de Mike W. Barr e arte de Jerry Bingham, 1987).
Um terrorista chamado Qaym ameaça a segurança da terra ao tentar obter uma arma com capacidade de alterar as condições climáticas, e começar uma guerra nuclear entre EUA e União Soviética (Essa HQ está inserida na temática da Guerra Fria, bem como “Uma Morte em Família”).
A única solução para enfrentar esse inimigo em comum está numa aliança entre Batman e Ra’s Al Ghul. Ainda que improvável, essa aliança acontece. Mas com uma condição.
Sabemos que uma das maiores ambições de Ra’s Al Ghul é ver Batman se tornando um de seus aliados. Suas habilidades físicas, seus valores, suas competências como detetive, etc, fazem com que ele considere Bruce Wayne um sucessor à sua altura. E é exatamente essa a condição imposta por Ra’s Al Ghul para que se alie a Batman na caça de Qaym: que ele se case com sua filha Talia e se torne “filho” e herdeiro de Ra’s. À Batman é concedido o controle do exército de Ra’s. (Um ponto interessante a se observar é Batman treinando o exército de Ra’s para o uso de armas não-letais).
E após o casamento, a notícia: Talia está grávida. É uma notícia que deixa Bruce extremamente satisfeito, uma fresta de luz em uma vida toda passada em meio às trevas. Por algum tempo, ele chega até a conviver harmonicamente com Ra’s. Ele, o sombrio e taciturno Cavaleiro das Trevas, recebe uma dádiva que retorna à ele o que fora negado no derradeiro momento da morte de seus pais: a inocência e a esperança de felicidade. Viver guiado pelos sentimentos, e não por processos mentais meticulosos; não mais suprimir a fragilidade que existe nele, mas pelo contrário, canalizar as emoções para cuidar da criança com o máximo de amor e proteção possível. Mas como fazer isso ao mesmo tempo em que se é O Cavaleiro das Trevas, o guardião de Gotham?
Aquele que arrisca sua vida todas as noites, seja com vilões insanos e psicóticos, ou simplesmente ladrões armados e inescrupulosos? Mais do que ninguém, Batman sabe que uma criança não deve crescer sem os pais. Então naquele instante cogita abandonar sua carreira como justiceiro e ser apenas Bruce Wayne, pai e marido.
Mas Ra’s Al e Talia julgam que isso seria suprimir a personalidade tão nobre e admirável de Batman. Então tomam uma decisão: [Alerta de spoiler! Se deseja ler, posicione seu mouse sobre esse texto].
As habilidades de detetive de Batman são largamente exploradas em “Filho do Demônio”. É impressionante observar os processos mentais desenvolvidos por Batman para a resolução de seus casos.
Um dos maiores trunfos dessa história foi conseguir “humanizar” Bruce, que é sempre descrito como obssessivo e meticuloso ao ponto de sacrificar certas relações sociais para que seu trabalho como Batman não seja comprometido. Um homem versado em todas as artes marciais, em criminologia, química avançada, estratégia – mas pouco experiente em relações humanas benéficas. O simbolismo de certas passagens dessa HQ é primoroso, as conexões estabelecidas entre eventos do começo do livro – o salvamento de uma grávida – com o trecho final. Temos um Batman ainda mais reflexivo, pensativo sobre o legado que vai deixar para a posteridade, e questionando as escolhas que fez até aqui e que fará desse ponto em diante. Talvez o senso de humanidade e vulnerabilidade de Batman construído em “Filho do Demônio” seja efeito do contraste direto com o imortal Ra’s Al Ghul. De fato, Batman e Ra’s possuem muitos elementos em comum: o treinamento máximo a que elevaram seus corpos, a rigidez e disciplina com a qual visam seus objetivos, o interesse genuíno em transformar a sociedade (claro que com diferentes fins). Batman sempre se recusou a se aliar a Ra’s, mas nesse momento em que ambos travam uma breve paz é possível perceber que seriam aliados perfeitos se os objetivos não fossem tão conflitantes.
Entretanto… Há um problema com essa HQ. Muitos leitores e críticos consideram que ela descaracteriza o personagem do Morcego. De fato, quem vem acompanhando minhas postagens aqui no Batman Guide já conseguiu perceber como Batman é meticuloso, obsessivo, como é comprometido com seus ideais e não se deixa convencer.
Então, é muito estranho que aceite essa aliança com Ra’s Al Ghul, cujos métodos ele odeia e que sempre tentou combater. E também que tenha aceitado casar-se com Talia, sendo que Bruce sempre hesitou em começar qualquer tipo de envolvimento amoroso – para, novamente, não comprometer sua atuação como Cavaleiro das Trevas. Nesse momento decisivo de sua vida, podemos observar que esse tempo todo em que Bruce tem sido Batman a única coisa que obscurece seu senso de justiça igualitária e o faz perder a imparcialidade é a questão “família”. Talvez a única coisa que o faria deixar de ser Batman. Talvez essa seja uma justificativa plausível para seu comportamento parcial em “Filho do Demônio”.
Por essas reflexões, já dá pra perceber que é uma obra complexa, e por isso mesmo indispensável em sua leitura. Trata do aspecto que foi crucial para o surgimento do Homem-Morcego, e que ele nunca resolveu completamente. E que talvez nunca resolva.
Assim como “O Nascimento do Demônio”, o teor literário dessa obra é evidente, tornando-a quase um conto. Os traços são realistas, combinados com cores belamente escolhidas. É um trabalho fantástico e que, repito, é indispensável para sua leitura.
Divirta-se!
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